Educação nos tempos do coronel
Muitas pessoas não lembram como era o Brasil no início do século XX, uma jovem República que ainda “engatinhava” timidamente sem saber bem para onde. Portanto vamos lembrar de algumas práticas que eram muito comuns no tempo de nossos bisavós, para começar, quem mandava na política eram famílias tradicionais que detinham prestígio e terras, e estas davam um “jeitinho” para que o mesmo grupo pessoas assumisse o poder nos municípios, nos estados e até no país, aqueles que ousavam se opor a essas práticas perversas sofriam perseguições, injúrias e muitas vezes encontravam a morte pelas mãos de pistoleiros contratados.
Podemos observar que realmente nosso passado tem muito a nos ensinar, porém mais de cem anos se passaram entre o início da República e os dias de hoje, mas ao chegar no município de Duas Barras, muito animado e ansioso para promover um ensino de qualidade para os alunos da comunidade rural de Vargem Grande, me senti novamente nos tempos do coronelismo, onde a democracia era só palavra vazia nos discursos eleitoreiros. Enquanto historiador e cientista por natureza e paixão, permaneci calado por seis meses, afim de observar as relações de poder, os interesses particulares e o descaso, mascarado por um clientelismo de trocas de favores, que geria o aprendizado dos alunos.
Os alunos da escola rural de Vargem Grande são em grande maioria, filhos de trabalhadores que desde muito cedo conhecem o peso do trabalho diário e tem seus sonhos reduzidos a aquisição de pequenos bens materiais como motos e celulares. Até então, esses meninos e meninas, eram vistos como “coitadinhos” pela escola, que se resumia a reproduzir os valores que mantinham os alunos como “sobrinhos” de “tias” que muitas vezes não tinham a formação necessária para assumir a responsabilidade de “libertar as mentes” dos alunos.
Esse panorama sombrio foi abalado pela entrada de jovens professores, motivados por uma formação universitária de qualidade e com perspectivas inovadoras, que desta vez não eram meros contratados, e por isso, não estavam sujeitos aos desmandos de ninguém. Foi nessa leva de profissionais, que entrou para a equipe da escola uma orientadora pedagógica com imensa sede de transformação e no decorrer do tempo as coisas foram se modificando, mas como na época dos coronéis, logo começaram as perseguições, as injúrias e até mesmo as ilegalidades, cometidas por aqueles que mantém o “mando” na escola e desconhecem a democracia enquanto valor fundamental para uma educação de qualidade.
Um bom exemplo deste poder de “mando” foi o caso das orações na escola, que por ser de maioria católica e evangélica, se sente no direito de desrespeitar a Lei de Diretrizes e Bases da educação, praticando proselitismo religioso no interior da escola que é pública e laica. Ao denunciar essas práticas e realizar uma reunião onde a maioria dos professores presentes concordou com a mudança da oração por reflexões democraticamente escolhidas pela equipe, a orientadora pedagógica e o professor de matemática foram alvos de insultos e agressões morais promovidas por pessoas que foram enganadas e manipuladas pelos detentores do poder local apoiados pelo secretário de educação da época. Para além deste caso, alguns professores sofrem com o assédio moral promovido na escola para que tudo permaneça como está, ou seja, manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Assim como os agentes do coronelismo pedagógico não descansam a fim de manter seus privilégios conquistados à custa do futuro dos alunos, os professores comprometidos com a educação também não, pois em reuniões pedagógicas, conseguimos que os alunos obtivessem representação política junto a escola, os resultados no campo do aprendizado melhoram a cada dia e, apesar das forças contrárias, a escola vai ganhando contornos democráticos que ameaçam a supremacia dos detentores do poder. Cada vez mais a comunidade percebe que participar da escola é fundamental, não apenas entrando para dizer sim senhor(a) e não senhor(a), mas fazendo parte do conselho escolar, que em breve será renovado, apontando possibilidades de melhorias e transformações.
Por isso tudo que foi apresentado neste texto é possível vislumbrar um futuro menos sombrio para a pequena escola de Vargem Grande, agora que a secretaria de educação do município trabalha com uma perspectiva democrática e comprometida com a qualidade, os alunos tem voz e participam dos conselhos de classe e as transformações não podem ser paradas pelas injúrias e manipulações cometidas por ninguém.
“Os velhos tempos não voltarão, as velhas práticas foram enterradas com os fósseis dos contratos obscuros e agora vislumbramos um futuro brilhante para os alunos da pequena escola de Vargem Grande.”
Wesley D. Siqueira
História – Vargem Grande - DB
Nenhum comentário:
Postar um comentário